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PEDRO QUARTIN GRAÇA

Blog pessoal criado em 2003

PEDRO QUARTIN GRAÇA

Blog pessoal criado em 2003

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08.11.06, Pedro Quartin Graça
Notável contributo da sociedade civil para a criação de uma Estratégia Nacional para o Mar

UMA ESTRATÉGIA PARA O MAR

Possuindo Portugal de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa, com mais de 1.700.000 Km2, ou seja, cerca de 18 vezes a sua área terrestre, escassa tem sido a contribuição da apelidada "sociedade civil" para a criação de uma verdadeira e efectiva ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O MAR.

Assim, é de salientar o enorme mérito que revestiu a iniciativa do Blog "Estratégia Azul" no intuito de contribuir para a divulgação do trabalho da Estrutura de Missão dos Assuntos do Mar e para fomentar o debate no âmbito da discussão pública sobre o MAR.

Temos o gosto de, com a devida vénia aos seus autores, transcrever infra o documento enviado à EMAM.

"Com os melhores cumprimentos e em nome dos autores do Blogue Estratégia Azul, criado na sequência da Sessão de Apresentação Pública da Estratégia Nacional para o Mar, apresento, como súmula dos comentários apresentados no mesmo, as seguintes sugestões:

1 – Necessidade de reformulação da «Governança» do Mar, através da criação do Ministério dos Assuntos do Mar

É no Mar que está a nossa Defesa, mais do que no Território. E se para o Território já existe um Ministério (o do Ambiente e do Ordenamento do Território) e se o País já dispôs em tempos do Ministério da Marinha, então a criação do Ministério dos Assuntos do Mar (com reestruturação de outros) é inevitável.

Defendemos assim a criação do Ministério dos Assuntos do Mar, única forma de garantir a Governança do Mar e de assegurar a existência em permanência de fundos para esse fim estratégico (porque dotado de orçamento).

Destacamos também a importância de se assegurar o controlo e conhecimento do nosso Mar. Não podemos dizer que o Mar é fundamental e depois assistir na governação ao protelar da implantação de meios e sistemas assim como de organização e coordenação entre Autoridades competentes que permitam o dito controlo. Por outro lado são feitos inúmeros estudos sobre o mar e costa portugueses mas que ninguém se preocupa em compaginar.

Por outro lado, não é possível para um país em que o Mar é tido por muito importante que os assuntos relativos ao Mar e à actividade que nele se desenvolvem tenham as inúmeras tutelas que hoje se verificam (pelo menos dez ministérios). O desaparecimento do então Ministério da Marinha ainda não foi "digerido" flutuando as organizações ao sabor do vários Governos. É impossível resistir ao intricado processo de autorização para levar a cabo qualquer iniciativa (sempre necessário elaborar várias vezes quantas as entidades que tem de se pronunciar).

Aliás, a própria composição do Conselho da Náutica de Recreio (que, no entanto, se cinge apenas a uma área específica dos Assuntos do Mar…) é denunciadora do carácter hercúleo de qualquer procedimento de autorização a encetar, a saber:

1. O Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações;
2. O Ministério das Finanças;
3. O Ministério da Defesa Nacional;
4. O Ministério da Administração Interna;
5. O da tutela da área do desporto (no actual Governo Constitucional, a Presidência do Conselho de Ministros, através do Senhor Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, por delegação do Senhor Ministro da Presidência);
6. O Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas;
7. O Ministério da Economia e Inovação;
8. O Ministério da Educação;
9. O Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território;
10. Além dos representantes:
a. do Governo Regional dos Açores,
b. do Governo Regional da Madeira,
c. da Federação Portuguesa de Vela,
d. da Federação Portuguesa de Motonáutica,
e. da Federação Portuguesa de Remo,
f. da Federação Portuguesa de Jet-Ski,
g. de cada uma das cinco associações regionais de clubes de vela,
h. da Associação Portuguesa de Portos de Recreio,
i. da Associação Bandeira Azul da Europa,
j. da Associação Portuguesa de Indústria e Comércio das Actividades Náuticas,
k. da Associação Portuguesa de Escolas de Navegadores de Recreio,
l. da Associação Nacional de Cruzeiros, entre outros (até por que, por despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, sob proposta do presidente do conselho de administração do IPTM, podem ainda integrar o CNR três personalidades com especial e reconhecido conhecimento da náutica de recreio).

Acresce porém a ausência de representantes:

1. Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que poderia inserir os Assuntos do Mar nas acções de Diplomacia Económica;
2. Do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, que poderia dar voz aos cidadãos portadores de deficiência ou incapacidade (que não têm assento no CNR), em especial aos praticantes de vela adaptada ou que desejam praticar a modalidade e o não podem fazer por falta de condições;
3. Da Presidência do Conselho de Ministros, quer na parte referente às atribuições do Senhor Ministro da Presidência (para assegurar as relações com os Governos Regionais), quer na referente ao do Senhor Ministro dos Assuntos Parlamentares (para assegurar a ligação à Assembleia da República e aos Grupos Parlamentares);
4. Das associações de praticantes de vela em albufeira.

Finalmente, consideramos que o Ministério do Mar deve ficar inserido na Presidência do Conselho de Ministros, para assegurar a necessária coordenação, eficácia e eficiência e o cabal e imediato cumprimento pelos demais Ministérios das orientações transmitidas. Não esquecendo que desta forma o Ministério não ficaria no final do elenco governamental. E asseguraria a tão desejada uniformização e simplificação de procedimentos administrativos em tudo o que se relacione com o Mar, além da tão necessária coordenação e articulação entre todos os níveis da governação, o que em muito contribuirá para a redução e clarificação de competências nos níveis intermediários. Uma Administração do Porto, um Instituto Portuário e uma Capitania do Porto são organismos demais para cada porto.

2 – Necessidade de previsão da componente financeira do documento em discussão pública

Defendemos acima a imprescindibilidade da criação do Ministério dos Assuntos do Mar como forma de assegurar a existência de fundos em permanência para esse fim estratégico (por dispor de orçamento). Com efeito, o financiamento de uma actividade estratégica requer fontes permanentes de rendimento para executar as medidas que se vão tomando para alcançar o objectivo estratégico.

Quando se era «muito sábio», associava-se à prossecução de uma estratégia o rendimento de algo que se produzia. Hoje tem de ser feito o mesmo. Há financiamento de medidas (tácticas), pelo que deveriam lá estar também os meios para a estratégia. A componente financeira é, pois, estratégica. E constitui, em nosso entender, lacuna no documento em discussão pública que decorrerá eventualmente do conceito do que se considera como estratégico. Quando no documento se fala em meios, consideramo-lo questão táctica.

A componente financeira é essencial porque deve dizer como, de maneira permanente, pretende canalizar verbas (meios) para a prossecução da finalidade última da estratégia

Nessa solução permanente para atrair meios para a estratégia do mar, a redução do IVA, por exemplo, seria um sinal estratégico para que os meios fossem canalizados de uma forma permanente e não apenas consignados a determinadas medidas.

Defendemos assim, como estratégico:

1. Uma Nova Política Fiscal, nomeadamente através:

a. Da redução da taxa do IVA para 5% nos bens e serviços referentes à «Economia do Mar» e da possibilidade de os adquirentes desses bens e serviços deduzirem ou abaterem tais despesas em sede de IRS e no IRC;

b. De uma nova taxação pelo Ministério das Finanças baseada noutros factores que não no das arqueações; etc

2. Uma Nova Política Financeira, através:

a. De incentivos à Banca e às Sociedade Financeiras em geral no sentido de criarem novos produtos (bens e serviços) relacionados com o Mar (v.g., Conta «Poupança-Marinheiro», Conta-poupança «A minha Canoa», «Crédito compra-embarcação», «Crédito recuperação de embarcação», Campanhas «Adopte uma Canoa»; ou «Reviver o Tejo»; Promoção de Regatas; incentivos na área do Mecenato; entre tantos outros exemplos;

b. De novas ou renovadas funções do Estado (leia-se Governo), que surgiria aqui como facilitador e angariador de parceiros públicos, privados ou público-privados, de fundos comunitários e de fundos do mecanismo financeiro da EFTA (em especial da Noruega, bastante simpatizante da nossa Causa do Mar).


3 – A aposta na Educação, Formação e Especialização em Assuntos do Mar

Não se vislumbram medidas concretas para que o ensino das coisas do mar seja rapidamente imposto (constata-se, porém, que a Escola de Pesca da Marinha Mercante, única escola de mestrança e marinhagem, irá desaparecer como entidade autónoma). Se foi possível em pouco mais de uma década passar a mensagem do Ambiente, porque não sobre o Mar?

O conhecimento e a posse do mar é então também estratégico. A educação, a formação, o treino e a prática de andar no mar também o são para o conhecimento.
O constante navegar nele com toda a espécie de embarcações, da armada, da marinha mercante, do que for, também o é.

Mas também o é o comércio com meios próprio e o conhecimento prático para a construção de embarcações. Por consequência, também é estratégico manter a sabedoria e os conhecimentos antigos que se foram adquirindo ao longo de milénios por aquilo que é o processo natural de aprendizagem.

Defendemos assim, como estratégico, uma nova abordagem à Política Educativa, que inclua, nomeadamente, os Assuntos do Mar nas Grandes Opções de Política Educativa para 2007/2020, de Formação em Artes e Ofícios Marítimos (através da criação da disciplina da Economia do Mar; de cursos profissionais, etc), de impulsionador do Desporto Escolar e de visitas de estudos temáticas.

Assim:

a. Na área do Desporto escolar, consideramos de grande interesse a promoção de parcerias tendo em vista possibilitar o ensino da modalidade desportiva em escolas de todo o país, em especial do interior;
b. Na área das visitas de estudo, deverão ser promovidas em todas as escolas visitas de estudo aos Portos de Portugal e a outras infra-estruturas de interesse;
c. Na área das acessibilidades, deverá facilitar-se o procedimento de adaptação de infra-estruturas a deficientes (construção de rampas, intervenções simples e pouco onerosas, seguindo o exemplo do Centro Náutico Moitense).


4 – O Mar como factor diferenciador da identidade nacional

Nos “Objectivos”, refere-se o mar como factor diferenciador da identidade nacional. Nunca é demais repetir que esse aspecto é essencial, porque o estrangeiro vê-nos, identifica-nos, como um país de marinheiros, um país de mar. Isto para nós é mais do que um mero ponto agradável para o ego: é uma vantagem competitiva que devemos explorar.

Portugal possui um conjunto invejável de planos de água, com condições excepcionais para o desenvolvimento de actividades de lazer, quer nas zonas ribeirinhas quer nos planos de água propriamente ditos. Um dos melhores exemplos, será com certeza o Grande Estuário do Tejo e a Ria de Aveiro e o conjunto de frentes de água envolventes.

Portugal, outrora conhecido como "país de marinheiros", parece ter voltado as costas ao mar e tornou-se “especialista de centros comerciais". Parece estar provado que nem os povos nórdicos, com intempéries e temperaturas negativas durante parte significativa do ano, passam tanto tempo nos centros comerciais como os portugueses. Os resultados estão à vista, com níveis de endividamento cada vez maiores por parte das famílias portuguesas.

Há cerca de 500 anos, quando Portugal navegava nas rotas dos descobrimentos, para dar novos mundos ao mundo, fomos várias vezes vítimas de actos de pirataria por parte de frotas inglesas, que chegaram a rebocar naus portuguesas para desmontar e produzir “clones”. A cartografia náutica criada pelos portugueses com a implementação do primeiro meridiano de referência, e as nossas invenções de instrumentos náuticos e de artes de navegar, são hoje objecto de estudo em diferentes universidades no estrangeiro. Todo este património desenvolvido pelos nossos antepassados foi completamente “atraiçoado” pelo desprezo a que foi votada toda esta história que nos dignifica como povo ligado ao mar e aos oceanos.

O estado de abandono em que se encontra algumas das nossas zonas ribeirinhas, nomeadamente, a Marina do Parque das Nações, instalada no local mais visitado de Portugal, e convertida no maior Tanque de Lama da Europa, é bem o exemplo deste "voltar de costas" ao mar que poderá ser invertido através da criação de um Ministério dedicado aos Assuntos do Mar em exclusividade.

No 2º semestre de 2007 vai ter lugar o Pavilhão Atlântico a Presidência da União Europeia. Por sua vez, em Outubro de 2007, vai realizar-se a WaterfrontExpo2007 na frente ribeirinha do Parque das Nações. Destes dois eventos, com a marina do parque das nações ainda convertida em "Tanque de Lama", poderá advir uma certa descredibilização para o nosso país.

É evidente, que nem todos se renderam aos "centros comerciais”. Se visitarem as associações náuticas e as escolas de vela que participaram na Real Regata das Canoas do Tejo em 5 de Outubro de 2006, organizada pelo Centro Náutico Moitense, podem testemunhar o excelente e louvável trabalho que as gentes do Tejo está a fazer na recuperação das Embarcações Típicas do Tejo. Apesar da situação a que chegamos, existe ainda um conjunto de “resistentes”, que não se conformam com o actual estado de coisas. Para que, no futuro, voltemos a ver o estuário repleto de centenas (ou mesmo milhares) de embarcações típicas, marco da nossa história e autênticas de obras de arte que constituem um museu vivo de algumas das mais bonitas zonas ribeirinhas.

5 – A necessidade de se permitir o acesso ao Mar

Consideramos estratégico que saibamos que Portugal fez a descoberta de que só há um Oceano e que é possível ligar a humanidade por estradas do mar. Sendo também estratégico que se saiba que mesmo quando esta civilização já não existir Portugal está na História porque descobriu a segunda das quatro estradas que os humanos inventaram: as da terra, os romanos; as do mar, os portugueses; as do ar, os americanos; as do espaço exterior, os russos. Preservar com clareza esta descoberta é também estratégico, por ir além da duração da nossa civilização.

É estratégico permitir a acessibilidade do mar a TODOS, incluindo aos cidadãos portadores de deficiência ou de incapacidade. E que os estuários sejam entendidos como os locais onde os elementos de poder se unem.

É estratégico melhorar as acessibilidades a todos também a partir de terra. As marinas, docas, ancoradouros, fundeadouros, etc., têm de ser geridos numa lógica privada (ou público-privada, com boa distribuição do risco), mas não puramente economicista ou lucrativa. As disparidades de preços praticados nas marinas de norte a sul de Portugal e nas Regiões Autónomas (que não têm reflexo na qualidade e utilidade do serviço) têm de acabar, pois O MAR É DE TODOS. Também as disparidades de taxas de registo cobradas por cada capitão de porto tem de acabar, através da uniformização de procedimentos de registo e taxação pelo Ministério dos Assuntos do Mar. Não esquecendo, ainda quanto à questão do acesso à Água, que grande parte das margens ainda não têm utilização comercial, o que é preocupante.

E não esquecendo ainda que a prática de desportos náuticos só se pode fazer:
a) Com acesso à água (orla marítima e fluvial) e em muitas localidades de Portugal ainda não se pode ter barco porque o Estado criou autênticas muralhas à volta da água;
b) Com acesso simplificado às cartas de operador (exame de 5 em 5 anos, enquanto a carta de desportista náutica tem validade muitíssimo superior);
c) Com a promoção do ensino (a Escola Náutica poderia criar um departamento de Marinha de Recreio, que concedesse brevets de Yacht Master, reconhecidos internacionalmente, através da criação de um curso com uma forte componente prática, de 18 a 20 semanas, se possível em inglês – para, mais uma vez, beneficiarmos da imagem positiva que o exterior tem de nós no que ao mar respeita -, auto-sustentável financeiramente;
d) Com simplificação em matéria de registo e vistorias (certos sócios de clubes náuticos mudaram de bandeira para facilitar o registo);
e) Com a eliminação de obstáculos causados pela demora no registo de embarcações (em especial as de madeira estrangeira);
f) Com a adequação dos curricula dos cursos de patrão de alto-mar à realidade: o currículo é muito difícil e inadequado. Hoje há meios mais eficazes (GPS). Se não for alterado, continuam a pedir autorização ao IPTM para os patrões de costa poderem acompanhar as regatas até às regiões autónomas.

O Estado deverá impor-se e surgir aqui como facilitador, fiscalizador e promotor (no sentido de divulgador e angariador de fundos)".



Com os melhores cumprimentos,

A Administradora do Blogue Estratégia Azul.

http://estrategia-azul.blogspot.com