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31.01.08, Pedro Quartin Graça
Entrevista com D. Duarte Pio de Bragança
"O regicídio não era o projecto dos republicanos"
FRANCISCO ALMEIDA LEITE
O que sente no dia 1 de Fevereiro?
Sempre vi esta data como uma data trágica para Portugal e para os portugueses. O Rei D. Carlos era um homem que estava a prestar um grande serviço a Portugal, um excelente Chefe do Estado. Além disso, um bom homem. O Príncipe Luís Filipe era um miúdo de 18 anos que já tinha dado a volta aos territórios ultramarinos portugueses. Ainda hoje em Angola, em Moçambique e em Goa fala-se na visita dele e há chefes tribais e de reinos que têm as medalhas de prata de D. Luís Filipe como símbolo de soberania. O regicídio acaba por ser trágico para a causa monárquica, porque o reinado de D. Manuel II é curto.O regicídio não era o projecto dos republicanos. Foi um acidente porque muitos líderes revolucionários estavam presos e de repente a carbonária ficou à solta. Esses terroristas radicais decidiram que o melhor era acabar logo com a família real toda.
Um plano pacífico? Havia aquela propaganda toda...A propaganda contra o Rei e a família real era muito violenta, com muita calúnia e difamação. Estou convencido que se os regicidas tivessem conhecido o Rei não o tinham morto. Só o conheciam pela propaganda. Em 1910, quando tinham sido marcadas eleições e o Partido Republicano percebeu que não teria mais de 7% ou 8% dos votos, então aí precipitou a revolução, com a cena do navio a bombardear Lisboa e os galegos a serem contratados para fazer uma manifestação na Rotunda, como diz o Raul Rego.Que é insuspeito...O Raul Rego até agradeceu à Galiza porque os galegos é que fizeram a manifestação e a revolução da República. E havia dinheiro espanhol metido na revolução do 5 de Outubro.
Dos republicanos espanhóis.
Sim, queriam fazer a Federação das Repúblicas Ibéricas. Um livro do Jorge Morais conta isso. De resto, a coisa pior é a bandeira. A bandeira da República é o símbolo da União Ibérica: o vermelho representa Espanha e o verde representa Portugal, por isso o vermelho é maior que o verde. Mas a primeira bandeira que a carbonária exigiu era um rectângulo vermelho com um losango verde lá dentro Portugal integrado na Espanha. A comissão oficial que propôs a bandeira - e foi a bandeira que ficou em 1910 - ainda era a bandeira azul e branca sem coroa. A nossa Constituição diz que a bandeira da República é a bandeira escolhida em 1910. Portanto, é a bandeira azul e branca. A verde e vermelha só foi adoptada em 1911. Quase todos os países europeus preservaram as cores das bandeiras quando passaram a ser repúblicas. Por outro lado, e isso é simpático para mim, somos a única república que mantém as armas da casa real na bandeira...
Gostava de contar com o actual Chefe do Estado em alguma cerimónia dos 100 anos do regicídio?
O Presidente da República foi convidado para a missa por alma do Rei D. Carlos e provavelmente vai fazer-se representar. Do ponto de vista simbólico, e muito digno, há a inauguração da estatátua de D. Carlos em Cascais. Sabe, uma boa parte dos membros da Comissão D. Carlos 100 anos, é assumidamente republicana...
Há a vontade de contar outra história? É por isso que fala num acto de Justiça perante D. Carlos?
O nosso País tem que reconciliar-se com a sua História. Não é possível continuar hoje a ensinar-se coisas completamente erradas sobre o Rei D. Carlos, quase que a justificar que o assassinato dele foi político. Vai haver uma homenagem ao Buíça e ao Costa, o que acho muito perigoso porque está-se a dizer à geração actual e aos mais jovens que matar um Chefe do Estado, porque não se gosta dele, é legítimo e até merece uma homenagem. Já foi o Aquilo Ribeiro para o Panteão, não tanto por ser um escritor (porque há outros melhores que não estão no Panteão).
Acha que o Estado não se deve envolver nessas homenagens, como no caso de Aquilino?É muito perigoso, porque passa-se uma mensagem errada.No outro dia ouvi-o dizer que acha as revoluções nocivas para o desenvolvimento do País e até fez comparações.
Portugal estaria mais desenvolvido sem o 5 de Outubro?
Na Europa, os países que mais se desenvolveram foram os que não tiveram revoluções e, de entre eles, todas as monarquias e a Suíça, uma república "medieval". Há a excepção, a Alemanha, que não serve de comparação.
Para si, o dia 1 de Fevereiro quebrou um ciclo que podia levar o País a um nível de desenvolvimento superior?
Comparando com os outros países europeus na época, éramos um país de desenvolvimento médio. Comparando hoje, somos um país dos últimos lugares da Europa. Hoje estaríamos a meio da tabela europeia ou acima. Porque, com a monarquia, a descolonização não teria sido feita como foi, teria havido a formação de uma Commonwealth portuguesa, de uma União Lusófona, um Reino Unido, não teria havido a revolução de 1926, que levou à segunda república, e não teria sido preciso o 25 de Abril que atrasou a economia portuguesa de uma maneira gravíssima. As três revoluções que a República nos trouxe foram altamente negativas para o País. A primeira e a última são celebradas com um feriado nacional, não faz sentido. Ao celebrarmos as revoluções, estamos a dizer que na próxima crise venha um militar que tome conta disto. É o caminho errado. Devíamos era insistir que no respeito pelas instituições democráticas. A nossa Constituição devia dizer que é inalterável a forma democrática de governo. Não diz isso, diz que é inalterável a forma republicana de governo.
Já se solidarizou com a petição que defende que 1 de Fevereiro seja considerado dia de luto nacional?
Neste momento o que deve ter ênfase são os aspectos positivos do reinado de D. Carlos. Mas justificava-se que este ano o dia fosse de luto, mas sem feriado nem nada, com bandeiras a meia haste. Prestava-se homenagem ao único Chefe do Estado que foi assassinado por portugueses. Também houve o Sidónio Pais, com um mandato curto que não se pode comparar...