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CARTA A JOSÉ SÓCRATES
MISSIVA A JOSÉ SOCRATES
Pias, 07 de Janeiro de 2009
Antes de tudo o mais, não o vou tratar nem por Excelência e muito menos por Primeiro-Ministro, mas acredite, que para ser coerente comigo mesmo, como tenho sido sempre ao longo da minha vida, desde que tomei consciência das minhas responsabilidades como cidadão desde país, guardo grandes, mas grandes reservas, quanto ao facto de ser excelente, e quanto ao cargo que ocupa, não o acho nada dignificado.
Quer saber porque lhe estou a escrever estas linhas? Pois bem eu digo-lhe. Para mal dos meus pecados, ainda bebé fui vítima de Poliomielite (vulgarmente conhecida como Paralisia Infantil), quanto a isto por muita que fosse a minha vontade para ter força de melhorar, pouco podia fazer, e na década dos anos sessenta, que foi quando nasci, juntamente com a dificuldade financeira dos meus pais, pois eram e sempre foram pobres, tendo apenas como riqueza a sua força de braços para trabalhar, anteviam-me uma infância de grande sofrimento, como se uma criança fosse culpada do que o destino lhe reservou.
Sabe, é que neste Alentejo, que alguém chamou de profundo, nem sempre havia trabalho, quanto mais dinheiro para se fazer um tratamento na capital. Mas, já tinha quase três anos, quando com muito esforço dos meus progenitores e ajuda de alguns dos seus amigos, fui conduzido ao hospital D. Estefânia, onde durante alguns dias levei choques eléctricos, e a partir daí lá comecei a gatinhar.
Cresci, frequentei a escola, tornei-me homem e cidadão deste país, arranjei emprego, não na freguesia donde sou natural – Pias – mas sim na sede do concelho – Serpa. Para isso desde o dia 04 de Janeiro de 1984, de segunda a sexta-feira tenho de me deslocar para o meu local de trabalho. Sou funcionário da Câmara Municipal de Serpa. Umas vezes deslocava-me de autocarro, outras vezes, amigos meus levavam-me nos seus carros, pois era muito mais fácil para mim, assim não tinha de subir aqueles degraus tão altos para entrar e sair do autocarro.
Foi assim durante muitos anos e, trabalhando e descontando todos os dias, tornei-me num cidadão de pleno direito deste país que é o meu. País onde tenho obrigações, mas também infelizmente julgo ter alguns direitos. Quando na década de noventa economizei alguns tostões, e para não depender de ninguém, tirei a carta de condução. O código fi-lo como qualquer pessoa, mas o exame de condução tive de o fazer num carro emprestado por um amigo, pois para o efeito o exame tinha de ser realizado num carro adaptado ao meu grau de deficiência. Para poder adquirir um carro novo, tive de ir a uma Junta Médica – BEJA –, Junta essa, que me atribuiu um grau de deficiência de setenta por cento (70%). Pois foi com esse Atestado Médico de Incapacidade, emitido em 29/11/89, que consegui contrair um empréstimo bancário, comprei carro e usufrui da isenção do pagamento do Imposto Automóvel (IA) e do IVA, pois o carro tinha e tem de ser importado, e o negócio tem de ser autorizado pelo Director Geral das Alfândegas. Para nós deficientes, a compra de um carro não é um artigo de luxo, é sim a nossa força locomotora, as nossas pernas, o que nos torna independentes, o que nos dá força para vencermos todos os obstáculos e nos garante a certeza de chegarmos mais além.
Ah! Esquecia-me de lhe dizer que com muito, mas muito esforço mesmo, o meu falecido pai lá aprendeu a fazer o nome, conseguindo assim emigrar para a Alemanha, e um dia antes de partir lá me deixou no Hospital Infantil São João de Deus em Montemor-o-Novo, onde tenho sido submetido a intervenções cirúrgicas, onde vou fazer tratamento, buscar calçado, canadianas e aparelhos desde os meus dez anos de idade. Tenho quarenta e sete anos, por isso há trinta e sete que frequento aquele estabelecimento hospitalar. É cíclico que mesmo mantendo uma mente sempre jovem, com o passar dos anos todos envelheçamos, e para quem sofre de todas estas sequelas, mais isso se nota no nosso corpo físico.
Mentir-lhe-ia se lhe dissesse que sou uma pessoa que leva uma vida calma, antes pelo contrário, sou uma pessoa activa e tudo faço para contribuir para o desenvolvimento social e sócio cultural da minha comunidade e do meu País. Nos últimos quatro anos as minhas condições físicas têm-se agravado, assim sendo de 2004/2008, tenho ido todos estes anos ao Hospital São João de Deus em Montemor-o-Novo, em regime de internato, fazer tratamento durante seis semanas, que é aquilo que ainda me garante alguma qualidade de vida. Como os anos não perdoam e as dificuldades vão sendo maiores, e após doze anos de ter adquirido a actual viatura, é manifestamente necessária a compra de uma outra.
Em Outubro de 2007 requeri uma Junta Médica, a qual só se veio a verificar em Fevereiro do ano transacto. Esta Junta Médica – BEJA –, era liderada pela mesma médica que em 29/11/89 assinou o primeiro Atestado Médico de Incapacidade, de seu nome Maria Felicidade Oliveira Ortega, médica de clínica geral, que ao abrigo da nova legislação me atribuiu apenas cinquenta e cinco por cento (55 %) de grau de deficiência, naquela que foi a mais rápida visita que fiz a um médico, não me lembro se tive tempo de me sentar. Não querendo acreditar no que tinha visto e ouvido, tão só porque toda a situação me pareceu surrealista, não recorri e quis submeter-me outra vez à mesma Junta Médica – BEJA –, e assim aconteceu, dia 12 de Novembro de 2008, 15.30h, lá estava a dita cuja, desta vez com um ar bem mais arrogante, mais senhora de quem tem a faca e o queijo na mão, como se na testa trouxesse a inscrição – eu quero, posso e mando. Enfim… Perguntou-me então aquela Figura de Idiota Útil, qual a razão ali da minha presença, e se tinha documentos de médicos especialistas que comprovassem a minha deficiência (claro que tinha, um relatório de um ortopedista e da minha médica fisiatra, - como se eu conseguisse esconder o que me acompanha desde os dezoito meses), e o que é que eu tinha a dizer em meu benefício; ao que respondi que não concordava com o grau de deficiência que anteriormente me tinha sido atribuído; ao que a mesma retorquiu, que se eu não concordava que tivesse recorrido para a Junta Nacional. Disse-me ainda que me seria enviada para casa, à semelhança da anterior, o resultado daquela Junta Médica do dia 12 de Novembro de 2008.
Levantei-me e disse-lhes, aos três presentes naquela sala, que não estava disposto a perder uma tarde do meu trabalho, para a ouvir proferir alarvidades daquela forma irónica, e que Eu não tinha qualquer prazer em ser portador da minha deficiência, que por aqueles critérios de avaliação, certamente não tardaria muito tempo, eu seria uma pessoa completamente curada, isto é, com o decorrer dos anos toda a deficiência desapareceria, e realcei que não fui, não sou e não me quero tornar um fardo para a sociedade, ao que Ela com um sorriso nos lábios me respondeu ipsis verbis: “se não concorda vá-se queixar aos senhores da Assembleia da República que são eles que fazem as leis”.
Acredite senhor engenheiro, que no meu mais modesto entender e salvo a minha ignorância, sempre acreditei, e tenho amigos médicos que mo comprovam no seu dia-a-dia, que o médico também Ele deve ser Humano, pois não é uma norma ao abrigo da Ética Deontológica, mas sim uma sensibilidade que nasce connosco, mas não, o que ali pude comprovar in loco, é que a meta a atingir era o maior número de restrições possíveis. A minha suspeita confirmou-se. Alguns dias depois, cá tinha a cartinha, com o famigerado resultado daquela tarde de perda de trabalho.
Sim senhor!!! Sim senhor!!! Tinham-me atribuído cinquenta e seis, ponto três por cento (56.3%)!! Em relação à outra Junta Médica de Fevereiro do mesmo ano, apenas piorei um ponto três por cento (1.3%). É inacreditável este País onde vivemos, e que você (diz) governa, bastavam apenas três ponto sete por cento (3.7%) para chegar aos sessenta por cento (60%), e assim toda ou quase toda a minha vida ficava resolvida, porque como já deve ter reparado a minha doença é permanente, o seu estado só tem tendência para se agravar. Com os sessenta por cento (60%), já podia contrair um empréstimo bancário e assim comprar outra viatura mais económica e mais ecológica.
Senhor engenheiro, não seja prepotente e arrogante, porque aqueles a quem mandou elaborar esta lei, não saem dos seus gabinetes, não conhecem a realidade no terreno, não fazem um estudo prévio, não ouvem as Associações de Deficientes, e, talvez se tenham apenas regulado por algumas tabelas fornecidas pelas companhias de seguros, porque com esta lei o estado
Com todos os anúncios que faz, que mais não passam de Mentiras, de Show Off, de operações de cosmética, do lançar de poeira para os olhos dos portugueses, quando enche a boca de milhões e mais milhões, o senhor só está a gozar com todos nós, Deficientes deste país que tanto amamos, mas que o senhor tão mal governa, sim, porque a seguir a estes anúncios lemos nos jornais diários que os ministros e o seu chefe trocam de viaturas oficiais. Em boa linguagem alentejana. PORRA!!! PORRA!!! ISTO É DE MAIS!!!
Efectivamente o seu conceito de justiça social, deixa mesmo muito a desejar, pois somos nós com a mísera quantia atrás referida que conduzimos o país à ruína e á recessão económica, quando aquilo que mais queremos é contribuir para o seu desenvolvimento, com os nossos descontos, os impostos que pagamos, etc. etc., enfim… e o que dizer daqueles que nunca deram o seu trabalho e que não pagaram impostos e recebem o que não merecem? Garanto-lhe uma coisa! Estou mesmo muito à vontade para escrever tudo isto, aliás na minha consciência nada me pesa, pois não votei em si nem em ninguém, votei
Permita-me que lhe diga mais outra coisa. Concordo quando tenta implementar alguma justiça em todo o processo, mas não seria justo da minha parte faltar à verdade, se não reconhecesse que possivelmente houve muita gente que ao longo dos anos, se aproveitou das possíveis lacunas da lei, para usufruírem de tudo o que a mesma lhe permitia e com isso fazerem negócio, (mas que culpa tenho eu disso?), mas, com certeza que concordará comigo que agora estão a pagar os Justos pelos Pecadores. Agora, quem verdadeiramente precisa, tem de se confrontar com a injustiça de uma lei que só, mas só nos penaliza. Isto tudo graças a um Governo que se diz mais social, mas que suprime os direitos de quem verdadeiramente precisa, quando o nosso investimento será sempre por um prazo de pelo menos de dez a quinze anos. Resta-nos lidar com a indiferença de quem nos (Des) Governa!!!
Obrigado senhor engenheiro!!!
Não vou partilhar estas linhas consigo, primeiro porque o senhor nem sequer quer saber se nós existimos, e se somos cidadãos activos deste país, mas uma coisa lhe garanto, vou partilha-lha com todos os meus amigos e vou pedir-lhes que a difundam através dos seus E-mails.
Apesar de beirão permitir-me-á que termine estas linhas com duas quadras de um poeta popular algarvio, que certamente você conhece, António Aleixo:
O rato mete o focinho
Sem pensar que faz asneira
Depois ou larga o toucinho
Ou fica na ratoeira.
Fazem a mesma figura
Homens que vestem bons fatos
Quando lhes cheira a gordura
Caem também como os ratos.
Atenciosamente,
Romão Rosalina Janeiro